Após saída temporária, mais de mil presos beneficiados pela Justiça não retornam à cadeia em Minas
A saída temporária de presos, em datas como Natal e Dia dos Pais, tem sido usada como oportunidade de fuga. Apenas de janeiro de 2016 a outubro deste ano, 1.075 detentos do regime semiaberto saíram pela porta da frente das penitenciárias mineiras e não retornaram, segundo dados da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap).
O caminho livre aos condenados remete ao caso da jovem Kelly Cristina Cadamuro, de 22 anos, assassinada após dar uma carona em Frutal, no Triângulo. O acusado, um homem de 33 anos, estava foragido desde março. Ele cumpria pena no Centro de Progressão Penitenciária de São José do Rio Preto (SP) quando recebeu o benefício.
Em Minas, dos mais de 23 mil presos que conseguiram sair da cadeia desde o ano passado após decisão judicial, 2.383 não retornaram por conta própria e foram dados como foragidos. Desses, 1.308 foram recapturados. Na tentativa de endurecer as regras para o chamado “saidão”, foi aprovado na última quinta-feira, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 3.468/12.
O texto do deputado Claudio Cajado (DEM-BA) ainda precisa passar pelo Senado e depois seguir para sanção ou veto do presidente Michel Temer. Dentre as mudanças previstas estão a necessidade de cumprimento de uma parcela maior da pena e a redução dos dias fora da cadeia.
Além da possibilidade de fugas, o deputado apresentou como justificativa para o projeto a sensação de insegurança da população e o fomento à prática de crimes. “Salta aos olhos que um traficante, estuprador ou homicida, diante das condições pessoais que os circundam, possam gozar de tal benefício com tamanha rapidez e facilidade”, afirmou o parlamentar, em texto apresentado no Congresso.
“O projeto não vai acabar com as saídas temporárias. Vai torná-las mais criteriosas e garantir uma maior segurança para a população” (Luís Flávio Sapori, especialista em segurança pública)
Divergências
A medida está longe de ser um consenso entre especialistas da área de segurança pública. “Isso é um projeto eleitoreiro que não vai reduzir a violência no país”, critica a advogada criminalista Carla Silene, que também é diretora do Instituto de Ciências Penais (ICP), entidade nacional que reúne magistrados, promotores e advogados que atuam na área penal.
Para ela, a medida pode afetar o processo de ressocialização dos presos. “Hoje só tem acesso a essas saídas quem tem bom comportamento. Eles precisam disso para se adaptar a uma sociedade que, em breve, voltarão a integrar”, defende.
Mas para o especialista em segurança pública e professor da PUC Minas, Luís Flávio Sapori, o endurecimento das regras é positivo. “O que vemos hoje é a liberação de criminosos contumazes para o convívio em sociedade. E muitos deles cometem crimes durante as saídas”, afirma.
Para ele, a possibilidade de aumento da pena em caso de “deslizes” nesse intervalo pode ser uma forma de inibir atos violentos.
Seis em cada dez detentos são recapturados
Neste ano, 40% dos presos que fugiram após a saída provisória não foram recapturados. Segundo a Secretar[/TEXTO]ia de Estado de Administração Prisional (Seap), após a situação ser constatada é expedido um mandado de prisão para o criminoso, que pode ser detido em qualquer lugar do país.
“A recaptura pode se dar por diferentes situações, como por exemplo, o procurado cair em alguma blitz, participar de algum acidente de trânsito, cometer novo delito, etc”, informa nota. Mas na prática, o processo não é tão simples. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de janeiro de 2017, davam conta de 564 mil mandados de prisão em aberto em todo país. “Os detentos fugitivos entram nessa lista enorme de criminosos procurados. E, obviamente, demanda tempo e esforços para encontrá-los”, afirma a juíza titular da Vara de Execução Penal de Ribeirão das Neves, na Grande BH, Miriam Vaz Chagas.
Esse é um dos motivos para que ela veja com bons olhos as mudanças na lei. “Fora o tanto que a dinâmica de saída de presos é complicada para o sistema. É preciso montar um calendário, fazer escoltas de entrada e saída dos detentos. As unidades prisionais precisam ter mão de obra para atender essa demanda extra. É um custo adicional também. Acho muito salutar reduzir essas saídas”, afirma.
Impacto
Se o projeto for aprovado, as mudanças irão afetar um percentual considerável de detentos. Isso porque foi criada uma regra específica para presos por crimes hediondos. Para eles, a ida para casa depende do cumprimento de mais tempo da pena. Entram nessa lista a prática de tortura, tráfico de drogas e terrorismo.
“A maior parte dos detentos cumprem pena por tráfico de drogas”, lembra Miriam Vaz Chagas. Segundo a Seap, dentre os 70 mil detentos nas 210 unidades administradas pela secretaria, o tráfico é um dos três principais enquadramentos ao lado de roubo e furto.
Debates
A saída provisória de detentos do semiaberto é tema de outro projeto que tramita na Câmara dos Deputados. De autoria do parlamentar Roberto de Lucena (PV–SP), o PL 6.887/2017 restringe ainda mais o “saidão”.
A proposta limita o benefício apenas para a necessidade de tratamento médico. Nesses casos, os acautelados teriam que ser, obrigatoriamente, acompanhados de escolta armada. Apesar de tramitar na Casa em caráter de urgência, não há prazo para que a matéria seja votada.
Também em discussão no Senado, o PLS 513/2013 altera a Lei de Execução Penal. O projeto, porém, facilita a ida dos presos para casa, desde que ele tenha bom comportamento. Dessa forma, as limitações de cumprimento mínimo de pena são eliminadas.
“A efetividade do projeto aprovado pela Câmara vai depender do que será apresentado de emenda nesse que tramita no Senado. Caso contrário, o que vai valer é a nova Lei de Execução Penal”, explica a juíza titular da Vara de Execução Penal de Ribeirão das Neves, Miriam Vaz Chagas.
O PLS 513 já foi aprovado no Senado e encaminhado, no último dia 8, para a apreciação da Câmara dos Deputados. Lá, a proposta pode receber emendas para incluir as alterações nas regras do “saidão” já aprovadas na Casa. Porém, se isso acontecer, o texto modificado precisa retornar para aprovação do Senado antes de seguir para sanção ou veto presidencial.
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