Direito à aposentadoria especial é reconhecido pela Justiça do Trabalho em Itabira, com emissão de novo Perfil Profissiográfico Previdenciário
Em sentença proferida em 26 de julho, o juiz Adriano Antonio Borges, titular da 2ª a do Trabalho de Itabira, julgou procedente a ação coletiva proposta pelo Sindicato Metabase de Itabira e Região, determinando à mineradora Vale que proceda a emissão de novo Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).
Isso deve ocorrer no prazo de dez dias após o trânsito em julgado, concedendo o benefício aos trabalhadores que executam as suas tarefas laborativas em áreas de barragem, pelos riscos à saúde e segurança inerentes à atividade, “sob pena de multa a ser estipulada em caso dedescumprimentodaobrigação”.
À decisão cabe recurso, daí que o presidente do Metabase, André Viana Madeira, diz ser preciso aguardar a decisão final para comemorar essa importante vitória na a ação coletiva impetrada pelo sindicato, pioneira no Brasil.
Na sentença, o juiz ressaltou o acerto da perícia técnica, que havia sido contestada pela mineradora. A perícia confirma as situações de risco elencadas pelo sindicato para quem trabalha em barragem de rejeitos de minério.
Aposentadoria especial
Conforme explica o sindicalista, o reconhecimento do novo PPP é imprescindível para que esses trabalhadores obtenham o direito à aposentadoria especial em 25 anos de trabalho nessas estruturas, pelo risco de acidentes com eventual ruptura de barragens. O próximo passo, em outra ação, é estender esse reconhecimento a todos que exercem as suas funções em Zonas de Autossalvamento (ZAS).
“É esse reconhecimento (com o novo PPP) que permitirá aos trabalhadores pleitear aposentadoria especial por 25 anos de serviço, com o reconhecimento das condições inseguras de trabalho nas barragens”, salientou o sindicalista.
Entretanto, para que esse direito seja reconhecido, é preciso aguardar o trânsito em julgado, uma vez que cabem recursos em diferentes instâncias trabalhistas. O PPP é um documento essencial para comprovar o trabalho em condições especiais perante o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
“Estamos bem fundamentados e amparados em uma sentença vigorosa e muito bem fundamenta na jurisprudência trabalhista”, diz o sindicalista, salientando também os fundamentos da perícia técnica, assim como o parecer favorável do Ministério Público do Trabalho.
“Vamos continuar sustentando a nossa tese vitoriosa até a última instância com a vitória final, que certamente virá, conquistando novos direitos de repercussão nacional para quem trabalha em áreas de barragens, principalmente de mineração”, salienta André Viana.
Atingidos pela mineração
Para o sindicalista, a sentença em primeira instância é fundamental para que, assim que transitada em julgado, que se crie jurisprudência reconhecendo que os trabalhadores são os mais atingidos pela mineração, ainda predatória, que não trata com os devidos e necessários cuidados a segurança, a saúde e a vida de seus trabalhadores.
“A sentença traz o sentimento de que estamos caminhando para uma reparação que ainda não feita aos trabalhadores”, diz o sindicalista, lembrando que reparações estão em curso para o meio ambiente, comunidades afetadas, mas ainda deixando de fora os principais atingidos, que são os trabalhadores, dentre os quais muitos morreram nos crimes que ocorreram com o rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho.
“É parte dessa reparação que estamos buscando com a emissão do novo perfil para a aposentadoria especial. O passo seguinte será a luta pelo reconhecimento e pagamento de adicional de periculosidade para quem trabalha em áreas de barragens, como também a todos que estão exercendo as suas atividades laborativas em zonas de autossalvamento, pelos riscos inerentes”, acrescenta André Viana Madeira.
“Temos que ter cautela ainda, até o tramite em julgado, pois ainda há uma longa jornada pela frente na defesa de nossa tese. Mas já podemos comemorar a nossa primeira vitória ao ter reconhecidas em juízo as condições especiais de trabalho nessas áreas de risco”, recomenda o sindicalista.
Sentença é muito bem embasada, diz sindicalista
Em sua sentença, o juiz Adriano Borges considerou perfeitas as provas produzidas pela perícia técnica ao negar o pedido de produção de nova prova pericial, requerida pela mineradora Vale.
“As provas produzidas foram suficientes àformação da convicção deste magistrado acerca das questões controvertidas. Data vênia, entendo que o laudo pericial está perfeito eacabado.”
Na sentença, o juiz considera cabível o enquadramento desses trabalhadores em barragem pelo novoPPP, “retratando as condições de risco a queestão/estiveram submetidos ao longo do contrato, em razão dos trabalhos na extraçãodeminériodeferroemáreasdebarragens”.
Isso por serem as barragens, conforme demonstrado em perícia técnica, e também pelos trágicos rompimentos de estruturas, “podendo ocasionaroextravasamentodemateriais(rejeitos)armazenadosemgrandesquantidades, resultantes do processo de extração mineral, vitimando um númeroindeterminado de trabalhadores e moradores das localidades próximas, a exemplo doque ocorreu em Mariana e Brumadinho, configurando a responsabilidadeobjetivadareclamada”, conforme sustentou pioneiramente o sindicato Metabase de Itabira.
“Perdoem-mesenãoconsigomaisjulgarsemsentir,semsofrere semsonhar”, assinalou o juiz em sua sentença, “pedindo desculpas a Nietzsche pela blasfêmia, diante do “eternoretorno do novo”, ou melhor, dos novos, sendo os ‘novos’ o neoliberalismo com suaracionalidade – ou melhor, irracionalidade econômica, firmada na destruição defundamentos éticos, no desenvolvimento patológico, na necropolítica, no descarte e aniquilamentodecorpos,nodarwinismosocial,nascolonizações,nosmassacres, na desvalorização metafísica do mundo, na configuração patológica de consciências,sujeitos e ciências, e o ‘neolegislativo’ com suas omissões sociais, maiêuticas que precisamseraplicadas”.
Ainda segundo o juiz o laudo pericial comprovou com absolutasegurançaeverdade,esses trabalhadores se encontram emáreadeperigoderompimento. E que é pior, “queoplanodesalvamentoimplementadopelaVale,datavenia,apresenta inconsistências,fragilidades,inefetividades,eque,naprática,paraocasodenovos rompimentos,muitasvidasserãotiradas,oquenãopodemosignorar”.
Toda barragem é de risco
Nesse trecho, o juiz abre parênteses para uma reflexão que considera necessária. “Todabarragemapresentariscosderompimento,easdeItabira não são diferentes, prova disso são as documentações oficiais, a prova oral e osexemploscolhidosdolorosamentenosúltimosanos.”
Prossegue o juiz: “Emfunçãodissoedoperversosistemaprodutivoqueveneramos com fogos de artifícios, lindas fotos no Instagram, imagens paradisíacas naTV, tenho que dizer que, sangrando estou diante de um processo em que o Estadocom suas ‘democracias’ permite a necropolítica, escolhendo uma forma de matarmenos.”
E que isso “édiabólicoquandosesabequetaisriscospodemserevitados,sejacom atransformação/eliminaçãodosrejeitos,sejacomasuspensãodaatividadeempresarial”, diz ele, acrescentando que vão dizer que um juiz do trabalho fomenta com isso o desemprego.
“A gramáticapreferidadocapitaléculparoEstadopelasmisérias queproduz”, acrescentou. “Sei também que me acusam de utópico, o que aceito se utopia significadesejaranãomortedaspessoasetrabalharparaummundosemviolência.”
Ainda na sentença, o juiz destacou algumas constatações e esclarecimentosconsignados peloperito, sobre o que vem a ser Dano Potencial Associado (DPA), como sendo aquele que “podeocorrerdevidoarompimento,vazamento,infiltraçãonosolooumaufuncionamentodeumabarragem”.
Isso “independentementedasuaprobabilidadede ocorrência, a ser graduada de acordo com as perdas de vidas humanas e osimpactos sociais, econômicos e ambientais”, conforme salientou o perito com base na Lei nº 14.066, de2020eresolução da Agência Nacional de Mineração (ANM), número 95, de 7 de fevereiro de 2022.
Sinalizações e alertas deficientes
A perícia constatou, por exemplo, que nas áreas de barragens da Vale em Itabira, “foi possívelobservarqueaáreaexternaestá bastante sinalizada”. Entretanto, “as áreas internas operacionais, onde o empregadorealiza suas atividades, não possui sinalização suficiente ou existente para sair das áreas internas e chegar ao ponto de encontro.
Em consequência da não sinalização necessária, empregados da Vale e terceirizados arguidos pelo perito tiveram dúvidas sobre as rotas de fuga em caso de ruptura de uma dessas estruturas de contenção de rejeitos. “Os empregados da reclamada e terceiros abordados tinham dúvidas eficavampensandooudiscutindoentreelesqualeraamelhorsaídadaáreaoperacional”, assinalou o perito.
O perito apontou também que as placas indicativas de direção para fuga são às vezes conflitantes para não dizer inexistentes e às vezes improvisadas.
Apontou também inúmeras deficiências no sistema de alarmes. “Oúnicocarroquepossuiokit de sominstaladoparaservirdealarmesecundáriorealizaatividadesforadaunidade,conformelevantadoemdiligência”, estranhou o perito.
“Nãohá,segundoapessoaentrevistada,mapa ou rotograma para mostrar as rotas até as áreas das ZAS (zonas de autossalvamento). As contratadas dareclamada possuem rádio apenas para liderança da contratada. Entretanto, estemesmo líder tem que atender outras equipes, o que deixa as demais equipes seminformaçõesviarádio”.
Riscos permanentes
Na sentença, o juiz entendeu que aexposiçãoaoriscoconstatado pelo perito se deu de maneira permanente, como pela evidente falta detreinamentocomo tambémpelasinalizaçãonãoapenasinsuficiente,maserrônea, bemcomopelafaltadeaparelhamento.
O juiz acrescenta que se não bastasse todas as evidências e provas periciais, “os riscos são de conhecimento público enotórios, diante de eventos, infelizmente, dignos de registro histórico, ocorridos emMarianaeBrumadinhoenoticiadospelosdiversoscanaisdeinformação”.
Para o juiz, as referidas catástrofes demonstram que, ainda que a empresa tenha adotado as medidas de segurança cabíveis, como sustentado em diferentesesferasjurídicasnasquaisresponde,orisconãoapenasexiste,comoseconfirmou.
E sentencia: “Anteoexposto, defiro opedidodeemissãodenovoPerfil ProfissiográficoPrevidenciário,adequadoaostermosdestadecisãoedolaudotécnicooficialsobreascondiçõesambientais”.
Desse modo, deve a “reclamada(a Vale) procederàentregadonovoPPPaoreclamante, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado e a contar de intimação específica para tal fim, sob pena de aplicação de multa em caso de descumprimento daobrigação”.