ECONOMIA

Justiça confisca carteira de motorista e passaporte para forçar inadimplente a pagar dívida

Consumidores inadimplentes de BH fazem fila para negociar contas em atraso e tentar regularizar a situação

A Justiça apertou o cerco aos inadimplentes. Tribunais país afora têm aplicado sanções aos devedores que vão desde a suspensão do passaporte até a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) como forma de forçar o pagamento das contas em atraso.

As medidas, previstas no novo Código de Processo Civil (CPC), têm gerado grandes transtornos a quem tem dívidas. A lista de punições inclui ainda o bloqueio de cartões de crédito e a proibição de envio de recursos ao exterior.

Polêmicas, as disposições normalmente só são executadas depois que todas os modelos típicos de cobrança foram executados.
Segundo advogados especialistas em Direito empresarial ouvidos pela reportagem, a intenção dos magistrados é incentivar os inadimplentes a cumprirem com suas obrigações. De acordo com eles, as determinações são aplicadas a qualquer espécie de dívida, independentemente do valor, a fim de que os devedores cumpram as decisões judiciais.

Para o advogado Bernardo Calazans, a aplicação das medidas se mostra fundamental, tendo em vista a proteção dos direitos dos credores. “O Estado tem que intervir de forma a proteger o credor e tomar todas as medidas para que o devedor não seja beneficiado. Hoje, vivemos o cenário em que o devedor tem mais benefícios que o credor, o que é o no mínimo incongruente”, afirma.

Entretanto, Calazans faz questão de ressaltar que tais disposições têm que ser aplicadas apenas com o intuito de resguardar o credor, não ferindo os direitos fundamentais dos inadimplentes. “A gente precisa ter a consciência de que as medidas têm que proteger o credor. Não se pode praticar atos contra a dignidade do devedor. Defendo uma posição forte, com restrições ao devedor, que vão criar o interesse de pagamento ao credor”, diz.

Divergência nos tribunais

Apesar de expressa no CPC, a aplicação das medidas vem gerando diferentes entendimentos pelo judiciário ao redor do país. Desembargadores dos Tribunais de Justiça do Mato Grosso e São Paulo determinaram a execução das sanções. Já em Minas e em outro caso em São Paulo, as punições foram negadas.

No caso de Minas, os desembargadores negaram o pedido de suspensão da CNH do devedor, alegando que tal deliberação feriria o direito constitucional de ir e vir do cidadão.

Para o advogado Rafael Moura, do escritório Grebler, por mais que ainda não haja um padrão para a aplicação das determinações, as decisões até então proferidas partem de uma mesma premissa.

“As decisões que admitem ou não as sanções entendem que elas podem ser adotadas em casos extremos”, afirma. O advogado ainda destaca em quais casos as punições são mais eficazes. “Muitas vezes, as pessoas têm capacidade para pagar a dívida e alto padrão de vida, mas as medidas comuns não são suficientes para fazê-las pagar”, diz.

Consultado sobre as decisões judiciais, o coordenador do Procon da Assembleia, Marcelo Barbosa, se mostrou surpreso e disse que desconhecia a aplicação das medidas austeras contra os consumidores inadimplentes.

 

STJ manda devedor ressarcir empresa dos custos com cobrança

Paralelamente às sanções como apreensão da carteira de habilitação e passaporte, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu, em decisão recente, que os bancos cobrem dos devedores o custo que a empresa teve para realizar as cobranças. A sentença, que deve balizar outras ações judiciais, deve afetar diretamente o bolso dos inadimplentes.

A 3ª turma do STJ, determinou que, caso esteja clara no contrato, a cláusula que permite a cobrança dos custos é válida.
O responsável pela decisão foi o ministro Villas Bôas Cueva, que atendeu um recurso do Unibanco, que pleiteava a cobrança dos custos.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio de ação civil pública, alegou que a exigência do banco era abusiva em relação ao ressarcimento dos custos de cobrança de clientes que tinham débitos em atraso em contratos de empréstimo, a exemplo dos valores despendidos com ligações telefônicas dirigidas aos consumidores.

A sentença do ministro foi baseada no artigo 395 do Código Civil, que prevê ao devedor a responsabilidade por todas as despesas a que ele der causa em razão de mora ou inadimplemento.

Para corroborar a decisão, Villas Bôas fez questão de ressaltar que o direito em questão é válido tanto para o fornecedor, quanto para o consumidor. “Ademais, a necessidade de reposição integral dos danos causados por um dos contratantes ao outro decorre do sistema jurídico, por extensão legal conferida pelo artigo 51, XII, do CDC, de modo que a garantia da reparação total valerá tanto para o fornecedor quanto para o consumidor, independentemente de expressa previsão contratual”, conclui o ministro.

Para o advogado Bernardo Calazans, especialista em Direito Empresarial, a medida resguarda os direito das empresas credoras.
“Não é justo que uma empresa tenha que contratar um advogado, uma empresa de cobrança, arcar com o custo do ajuizamento, contratação de call center, entre outras despesas, e vir a receber só o débito original. Não é justo, e é mais do que razoável que a parte devedora arque com as cobrança que ela deu causa”, afirma.

Apesar de se mostrar favorável à cobrança, Calazans considera pertinente a preocupação do MP em relação a situação.
“Percebo que o Ministério Público, na verdade, tentou proteger os usuários contra uma possível abusividade dessas cobranças. Muitas vezes são cobranças difíceis de ser mensuradas, e o medo do MP é que os bancos determinam o valor arbitrariamente”, diz.

Reclamações

As cobranças consideradas indevidas ou abusivas ocupam o topo da lista de reclamações quando o assunto é o serviço financeiro.
Em levantamento feito pelo Procon da Assembleia, no primeiro semestre do ano, houve 1186 reclamações dos consumidores em relação a cobranças indevidas ou abusivas por parte dos bancos.

O número corresponde a 27,6% do total de reclamações sobre os serviços prestados pelos bancos. Foi o item campeão em queixas no período.

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