SAÚDE

Minas é o 2º estado com maior taxa de suicídio entre crianças e adolescentes no Brasil

Minas ocupa o segundo lugar entre os estados com a maior taxa de suicídio entre crianças e adolescentes no Brasil. Entre 2012 a 2021, a média anual de suicídio entre este público no estado foi de 889 casos, ficando atrás apenas de São Paulo, com 1.488 registros.

O levantamento é da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), feito a partir de registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde e foi divulgado nesta sexta-feira (29).

As estatísticas mostram que, a cada ano, cerca de mil crianças e adolescentes na faixa etária entre 10 e 19 anos de idade, tiram a própria vida. No período pesquisado o Brasil registrou, no total, 9.954 casos de suicídio ou morte por lesões autoprovocadas intencionalmente. 

Para Luci Pfeiffer, pediatra e presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da SBP, “com certeza” há um número muito maior subnotificado. “São aqueles casos [da criança ou adolescente] como se caísse, tomou remédio a mais, e ali tinha o desejo de morte”, explica. 

A maioria dos casos está consolidada entre os adolescentes. Foram 8.391 óbitos (84,29%) na faixa etária de 15 a 19 anos; e 1.563 mortes (15,71%) na faixa de 10 a 14 anos de idade. 

Também em Minas, uma pesquisa realizada pela Fundação CDL-BH, com 510 jovens entre 15 e 21 anos em Belo Horizonte, revelou que 50,4% dos entrevistados consideram que a saúde mental está regular ou ruim. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 15% da população mundial entre 15 e 29 anos sofrem de transtornos como depressão e ansiedade, sendo essa a segunda principal causa de morte entre essa população.

A pediatra alerta para a existência de um “arsenal de estímulos” nas redes sociais de autoagressão e do suicídio como saída. “Daí a importância de se falar sobre isso, dos sinais de alerta para procurar ajuda, porque há um problema a tratar. Todo dia morrem três crianças por suicídio no Brasil”, reforça a especialista.

Em relação à prevalência, o suicídio entre este público ocorre, na grande maioria, entre os jovens do sexo masculino. Ao longo da série histórica de 2012 a 2021, os rapazes representam mais que o dobro de casos sendo homens 6.801 episódios (68,32%) e mulheres 3.153 (31,68%).

Registro de tentativas

A pediatra Luci Pfeiffer afirma que há uma falha grande nos registros das tentativas de suicídio no Brasil. “Dificilmente uma criança ou adolescente chega à morte na primeira tentativa. E elas devem ser levadas muito a sério”, alerta.

Na avaliação da especialista, muitas famílias consideram esses episódios como algo que a criança ou o jovem fez para chamar a atenção. “De modo geral, são cometidas duas ou três tentativas até que eles consigam chegar à morte. Por isso, nós teríamos ainda um tempo de prevenção secundária”.

Segundo a médica, as meninas são as que mais tentam o suicídio, enquanto os meninos o fazem de forma mais eficiente e com agressividade direta. Os pais, responsáveis, médicos e profissionais que trabalham com a população pediátrica devem estar atentos aos primeiros sinais. “Porque isso vem já de algum tempo”, observou a doutora.

Violência intrafamiliar
Segundo a especialista, existem fatores de risco muito importantes como, por exemplo, a violência intrafamiliar, não apenas como espancamentos. “Muitas vezes, os pais, sem perceber, agridem o filho com palavras como “você não devia ter nascido”, “você é insuportável” ou “você não serve para nada”. Isso acontece em todas as classes sociais. Existe uma violência física que fatalmente coloca na criança ou adolescente a falta de lugar, a falta de amor dos pais, que são pilares da personalidade”.

Luci Pfeiffer explicou que, hoje, há um enfraquecimento dos vínculos reais entre pais e filhos. “Muitos pais só sabem que o filho está desistindo da vida na primeira tentativa. Há sinais, contudo, que podem despertar o alerta. Crianças tristes, que deixam de brincar, são um exemplo”.

“O desejo de morte vai fazer com que essa criança ou adolescente cada vez se afaste dos seus pares, dos prazeres da vida, como brincar, jogar, namorar, de ter colegas e amigos. Primeiro, há o isolamento e o afastamento da família, depois o isolamento dos seus pares, das fontes que dão satisfação, até que, cada vez mais, eles buscam atitudes de risco. Aí, vêm as autoagressões de muitas formas, como cortes, anorexia, bulimia”, alerta a especialista.

De acordo com Luci Pfeiffer, a causa do suicídio de crianças e adolescentes é multifatorial. Tem sempre algo da família, do desenvolvimento, “e uma exigência excessiva de todos os cantos”.

“Atualmente, as mídias e redes sociais não só estimulam a autoagressão, como colocam padrões de normalidade de pertencer a grupos com exigências, a partir de crianças de 7 a 8 anos, como bater na professora, fazer mais faltas no jogo de futebol. E essas exigências têm um contraponto de família e escola, que leva a criança ou adolescente a tentar a morte porque não suporta mais a dor de não ser importante para ninguém ou de não se sentir importante”.

Esse isolamento leva à ideia de que o sofrimento acaba com a morte. “Eu sempre pergunto para eles: quem garante? O que vai acontecer depois? Não seria melhor lutar pela vida agora?”.

Luci Pfeiffer assegura que não existe nenhuma medicação no mundo que tenha interrompido o caminho da violência, que é a autoagressão. O bullying na escola já é o segundo passo para uma sequência de violência e para a criança ou adolescente começar a pensar no suicídio como uma saída. “E aquilo cresce como em um funil. Eles vão colocando a insatisfação dos pais e da família, o fracasso na escola, o fracasso com os parceiros e com os pares, até que eles entram na parte final do funil. Aí é bem mais rápido. Vão se concentrando todas as possibilidades, até que eles planejam como morrer”.

Proteção
A presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da SBP lamentou que não haja no Brasil leis que protejam as crianças e adolescentes das mídias sociais, que fazem um marketing de consumo e propiciam meios para o suicídio, embora isso seja um crime pelo artigo 122 do Código Penal.

A recomendação da especialista é que, aos primeiros sinais, a criança deve ser levada a um pediatra para uma avaliação geral, inclusive por uma equipe interdisciplinar e por profissionais da saúde mental, como psicólogo, psicanalista, psiquiatra, especialistas em infância e adolescência. Como se trata, ao mesmo tempo, de uma violência, é preciso chamar também a rede de proteção, coisa que, dificilmente, as pessoas fazem. A tentativa de suicídio é de notificação obrigatória, destacou.

Frente a suspeitas de sofrimento psíquico, a rede de proteção, integrada pelo conjunto da escola, pais e unidades de assistência à saúde, como os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) e Centros de Referência de Assistência Social (Creas), precisa ser acionada, independente do padrão econômico e sociocultural da família, para se saber que outras origens pode estar o desejo de morte. “E levantar o histórico desde a gravidez e do desejo do filho até para onde ele chegou. Os pais e a escola precisam buscar ajuda e acompanhamento médico, tanto de profissionais da saúde mental e do pediatra que coordene essa equipe interdisciplinar, para que a gente possa proteger o que nós temos de mais valioso, que é a vida de crianças e adolescentes”.

Fonte: Hoje em Dia

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